Os ladrões entre a nossa nobreza

Autor: Antônio Rodrigues de Lemos Augusto


Mark Twain é um dos principais escritores da literatura norte-americana. Seus textos normalmente faziam críticas ácidas e, por vezes, bem humoradas da sociedade. Em 1876, ele produziu um dos seus mais famosos clássicos: “As aventuras de Tom Sawyer”, um romance infanto-juvenil, baseado em personagens que realmente existiram. Ao final, há uma frase que se enquadra perfeitamente na sociedade brasileira. Dois garotos, personagens principais da história, debatem se é melhor ser ladrão ou pirata: “Um ladrão é uma pessoa de categoria mais alta que um pirata. Isso de um modo geral, você sabe, porque na maioria dos países vive entre a nobreza, entre duques e outros que tais”, diz o menino Tom Sawyer.




É engraçado como a constatação de Mark Twain poderia ter sido feita perfeitamente no Brasil do século XXI, mais de 130 anos depois da primeira edição da obra. E é preocupante como, muitas vezes, tal cultura é aceita entre a sociedade. O “rouba, mas faz” virou espécie de lema político, tão perverso quanto a deturpação pecaminosa dos versos da oração de São Francisco: “é dando que se recebe”. Que brasileiro que discordaria de que há muitos ladrões entre a nossa elite? Certamente os ladrões mais danosos à sociedade...



Se fizermos um apanhado do noticiário local, encontramos construtores envolvidos em licitações fraudulentas de obras sociais, supostos empreendedores que traficam madeira, advogados que se envolvem com tráfico e jogatinas, oficiais da polícia que se metem em grilagem de terras, políticos de renome relacionados a bicheiros, gente graúda que se aproveita da prostituição infanto-juvenil, empresários conceituados que bancam caixa dois em campanhas políticas, gente de sobrenome que entra de forma estranha em concursos públicos, fazendeiros que captam empréstimos agrícolas e aplicam em outros bens, patrões que se apropriam indevidamente dos descontos do FGTS e do INSS e por aí vai...



Avançamos, claro que sim! Sou otimista! Exemplo: O Conselho Nacional de Justiça e o Conselho Nacional do Ministério Público fizeram uma faxina no empreguismo de sangue dentro do Judiciário e das Promotorias e Procuradorias. Quanta esposa, marido, filho que tiveram que sair para o bem do país... Mas até este avanço é relativo, posto que o Supremo Tribunal Federal, ao combater o nepotismo, o considerou existente somente até o nível de 3º grau de parentesco, que não alcança os primos... Quanto primo feliz por aí...



Essa relação entre ladrões e elites há de se fortalecer, considerando que o Brasil será palco de grandes obras em razão da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas de 2016. E dizer isso já é lugar comum!!! É triste verificar que a população trata como normal a provável roubalheira nas licitações públicas. Temos uma Lei de Licitações que não evita os acordos, as pressões, as combinações de valores (e cujo número contém os três seis do capeta... 8.666). Temos tribunais de contas nos Estados com uma forma de se indicar conselheiros altamente promíscua, deixando o enorme rabo das relações entre Executivo e Legislativo à mostra. Temos poucos promotores de Justiça atuando na esfera do patrimônio público. Temos um processo judicial lento, apesar da Lei de Improbidade Administrativa ser considerada uma norma legal positiva. Temos, enfim, ingredientes ótimos para que ladrões realmente roubem a sociedade, em atos oriundos da nossa real nobreza tupiniquim.



Certa vez, um engenheiro civil já falecido me contou sobre o que via na época da construção de Brasília. Ele via, como técnico, algumas relações entre empreiteiros e poder público extremamente de má fé com a probidade. “Com o dinheiro que se fez Brasília, poderia ter sido feito muito mais, se o gasto tivesse sido honesto”, realçava. Assim, Brasília – cuja importância não questiono – nasceu superfaturada, definindo a sua vocação para o futuro: a de servir de berço para embalar acordos que utilizam o bem público em proveito do particular. Se bem que no Rio de Janeiro já era assim... Em Salvador também... Êta herança colonial portuguesa.



Mas, como bem disse Mark Twain, os ladrões estão entre a nobreza na maioria dos países. Claro que mais em alguns do que em outros...



Antônio Rodrigues de Lemos Augusto, jornalista, advogado e professor universitário em Cuiabá-MT. E-mail: lemosaugusto@uol.com.br. Twitter: http://twitter.com/antoniolemos

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