Mulheres promíscuas


A prostituta sagrada



A prostituta sagrada é mulher mortal devotada à deusa. Sua beleza, seus movimentos graciosos, sua liberdade da ambivalência, suas ansiedades ou autoconsciência em relação à sua sexualidade, bem como os atributos da deusa derivam da reverência que ela presta à sua natureza feminina.

A prostituta sagrada pode ser considerada imagem arquetípica, no sentido em que sua energia associada a emoções específicas e a padrões de comportamento – porém ela é humana. A deusa do amor e a prostituta sagrada pertencem a princípio único, o princípio de Eros; o princípio em si, contudo, é humano e divino. Esse conceito tem paralelo na crença cristã em relação à dualidade do Pai e do Filho, que são, no entanto, Um. Cristo, o Filho, é o aspecto mais próximo à humanidade; através dele é que chegamos ao conhecimento do Pai: “Ninguém vem ao Pai a não ser por mim”.



De maneira semelhante, podemos ampliar o significado da deusa e compreender as implicações psicológicas da imagem, mas, por ser arquetípica, ela nunca poderá ser completamente integrada à consciência. Não podemos penetrar o domínio dos deuses ou nos identificar com seu poder, isso leva a insanidade, à opressão do ego humano. Através da prostituta sagrada conseguimos compreender os atributos da deusa do amor. Podemos conscientemente integrar em nossa vida humana o significado de suas qualidades características.



Em sonhos, em imaginação ativa ou em fantasia, o padrão arquetípico da iniciação é ativado quando se está pronto. Jung fala dos “grandes sonhos”, que em certo estágio do desenvolvimento psicológico funcionam como os antigos rituais religiosos, conduzindo a pessoa á integridade pessoal.

O seguinte sonho é de uma mulher adulta que, embora muito brilhante e competente, não vivera a vida plenamente. Por escolha própria, permanecera solteira. Possuía muitos amigos, mas nunca se havia envolvido em relacionamento sexual ou amoroso e, como afirmara em sua sessão inicial de análise, tinha “medo de homens”. O sonho ocorrera na véspera do Ano Novo, ocasião simbólica de novos começos.



Estou num quarto e as paredes começam a mudar. Surge outro lugar, o qual vem em ondas, repetidamente. Aprendi a reconhecer os primeiros sinais dessa experiência porque um quadro, uma mesa ou uma luminária começavam a se derreter, e então o quarto inteiro começava a se ondular.

O quarto transformava-se em outro lugar, coisas estranhas começavam a ocorrer. Eu tinha que ter duas mentes, para sobreviver à experiência. Por exemplo, tinha literalmente que me segurar a meu corpo para não ser tragada por um vórtex turbilhonante de energia. Ao mesmo tempo, tinha que permitir que tudo isto acontecesse para que a experiência pudesse continuar.



Durante um dos episódios (depois de o quarto ter mudado), uma longa videira cheia de folhas enroscou-se em torno do meu corpo. Não foi difícil desvencilhar-me da videira, e joguei-a ao chão: imediatamente ela se transformou em cobra, a qual atacou-me entre as pernas. Pulei fora assim que ela encostou em mim, mas senti um choque percorrer o meu corpo.



Este sonho ocorreu em época da vida da mulher em que a compreensão racional estava em estado de fluxo, havendo poucos pontos familiares de orientação para ela. O “vórtex turbilhonante de energia” é análogo à inconsciência caótica e indiferenciada, dentro da qual a sonhadora é capaz de permanecer conectada consigo mesma através de seu corpo. A videira simboliza o deus Dionísio, cujo poder fálico manifesta-se na cobra que lhe penetra a virgindade. A cobra também é associada com a cura, sabedoria e transformação. Trata-se de sonho poderoso, parente de ritual de iniciação. Seu efeito sobre a mulher foi poderoso; as atitudes conscientes dela, bem como sua imagem de si mesma, se transformaram.



A prostituta sagrada é imagem arquétipica de alguém que foi iniciada nos mistérios e alcançou profunda conexão com a deusa do amor. Tendo integrada a potência da deusa, ela pode então servir como mediadora das exigências do inconsciente para outras mulheres quando são levantadas dúvidas a respeito da segurança das estruturas convencionais.

Assim sendo, a prostituta sagrada é mulher humana que, através de ritual formal ou de desenvolvimento psicológico, conseguiu conscientemente conhecer o lado espiritual do seu erotismo, e vive-o na prática, de acordo com suas circunstâncias individuais. Encontramos esse tipo de mulher em todas as esferas sociais. È possível sentir certa presença em seu interior, uma combinação de alegria e felicidade. Ela é “uma-em-si-mesma”, livre dos confinamentos da convenção; vive de acordo com sua própria escolha.



Tal mulher não pode ser considerada sexy ou provocante, no sentido habitual destes termos, pois sua sexualidade não é superficial, não é motivada por projeto consciente ou por exigências conscientes. Não se trata de comportamento aprendido, de capacidade adquirida ou de questão de habilidade, mas sim de sutileza de seu ser, emergindo das profundezas de sua alma. Seu semblante exprime força, “uma força misteriosa que todos sentem, mas que filósofo algum jamais explicou”.



A prostituta sagrada é também um aspecto da anima do homem, a imagem feminina interna que leva o homem a valorizar aspectos de si mesmo que envolvem espiritualidade erótica. Ela é imagem dançante, radiante e estimulante do feminino, imagem da qual ele precisa ter plena consciência enquanto imagem interna, se é que ele deseja manter relacionamento amoroso com mulher real.



O estranho


O estranho que vinha ao templo para cultuar a deusa do amor em intercurso com a prostituta sagrada era, em tempos antigos, visto como um emissário dos deuses, ou até como um deus disfarçado.

O arquétipo do estranho funciona de maneira semelhante no processo psicológico. Trata-se de imagem frequentemente encontrada em mitos, na religião e em contos de fadas, assim como em sonhos, indicando um aspecto do inconsciente que irrompe no consciente para instigar mudança. Quando quer que apareça, ele provoca a sensação de estranheza, como “algo diferente” que penetra, e a elevada espiritualidade do divino é experimentada.



Na mitologia teutônica o deus Wotan, disfarçado de mendigo, batia à porta de um pobre e insuspeito mortal. Dependendo de como era recebido, a família seria ricamente abençoada ou cairia em desgraça sob a maldição do irado deus.

Na tradição judaica, durante a celebração religiosa do Seder, um lugar vazio é reservado e uma cadeira é deixada à disposição para receber o visitante não convidado, o estranho que pode chegar. Essas preparações são feitas para o profeta Elias, o emissário de Deus, que virá anunciar a vinda do Messias.



Na tradição cristã, o estranho apareceu diante de Maria, anunciando que o Espírito Santo desceria sobre ela e que ela conceberia o filho de Deus. Também foram dois estranhos, homens em vestimentas brilhantes, que revelaram à mulher que veio ao túmulo vazio que Jesus crucificado havia ressuscitado dos mortos.



O estranho é tipicamente alguém que não foi convidado, não é aguardado, e é de natureza estrangeira. Vem de lugar de fora do mundo, e instiga mudança. Uma aura sobrenatural o envolve. Essa é a essência do estranho no contexto dos rituais de iniciação desempenhados pela prostituta sagrada: ele facilita sua transição da inocência da virgindade para a compreensão da plena natureza feminina. Psicologicamente, na mulher, trata-se de estágio onde o princípio masculino irrompe:



A mulher é capturada por uma força desconhecida e irresistível, que ela experimenta como “numinoso” disforme. Através de sua captura total pelo [princípio] masculino, a mulher supera o estágio de autoconservação e chega à nova fase de sua experiência. A captura orgiástica total possui caráter espiritual, embora ela se dê no corpo. Esse caráter espiritual, entretanto, não tem nada a ver com a lógica abstrata do espírito patriarcal masculino, mas pertence à forma especificamente feminina da experiência espiritual que na mitologia é frequentemente relacionada ao símbolo da lua.



N psicologia da mulher, o estranho é um aspecto daquilo que Jung chamou de animus, o lado contra-sexual da psique feminina – um homem interno, por assim dizer. Na melhor das hipóteses, ele funciona como ponte entre o ego da mulher e suas próprias fontes criativas. Na pior, ele se manifesta através de opiniões e pressupostos que destroem seus relacionamentos.

A palavra animus em latim significa espírito. O animus positivo inspira a mulher, conduzindo-a para fora, para o mundo dos objetos, da criatividade e das idéias. È essa função psíquica que fornece senso de direção, discernimento e continuidade ordenada a todos os esforços.



O animus aparece em muitas formas além da do estranho, como a mulher velha e sábia, como um Adônis juvenil, ou até com um bebê menino, e cada manifestação possui significado psicológico particular. Em sua forma negativa, o animus pode aparecer, por exemplo, como estuprador ou um ladrão que leva os pertences mais estimados da mulher, símbolos de sua natureza feminina.



Uma mulher de uns trinta e poucos anos teve o seguinte sonhos. Ela havia sido sexualmente ativa de maneira indiscriminada – fato a que ela se refere como “estourar bolhas” - por vários anos desde seu divórcio. Vários meses antes do sonho, ela começara a sentir um vazio muito profundo, e descrevia seu peito como se estivesse interligado por “cadeia de lágrimas”. Ela passou muito tempo auto-refletindo, tentando conectar-se com a mulher chorando dentro dela. Seu sonho ocorreu durante esse tempo.



Estou limpando a casa, e então tomando banho e vestindo-me, pois um convidado muito distinto está para chegar, embora não saiba quem ele será. Sinto a extrema importância da ocasião e estou nervosa. O embaixador do Japão chega. Cumprimentamo-nos cordialmente, embora ainda esteja nervosa. Ele executa a cerimônia do chá para mim. Entramos no quarto (que na realidade não é o meu) e fazemos amor. Sem emitir uma simples palavra, ele vai embora e eu permaneço em estado de êxtase.



Este sonho reflete o esforço planejado pela mulher para entender o que se estava passando dentro dela. A faxina psíquica e o ritual de purificação de seu corpo preparam-na para receber o importante convidado do “outro mundo”, símbolo do animus do estranho. O emissário do divino executa um ritual através do qual a dignidade dos relacionamentos é honrada. A união deles é extática – transpessoal e transformadora.



Mulheres sexualmente promíscuas, a quem falta laço emocional ou até que abrigam ressentimento profundo em relação ao parceiro, encontram-se desvinculadas de sua natureza feminina essencial. Essa é precisamente a situação que alimenta o animus negativo. O animus é tão negativo na vida interior dessa mulher quanto é o modo como ela vê o homem em sua vida externa. Ele mostra-lhe a face cruel, podando toda tentativa de avanço por parte dela. Quanto mais inexoravelmente ela acredita serem os homens seus inimigos, menos ela é capaz de compreender que o inimigo está dentro dela mesma. Na há ritual de preparação, tal como a pessoa acima sonhou, não há recepção de boas-vindas para o Outro misterioso.



De maneira semelhante, mulheres que passam por ansiedades sexuais nunca experimentaram de forma plena a ruptura, a penetração pelo masculino. Tais mulheres permanecem, por assim dizer, como a menina do conto de fadas, vivendo em meio à pobreza emocional da casa do pai. Os temores que sente em relação ao animal fálico impedem-na de vivenciar o amor e seus efeitos transformadores, não apenas nela mesma, mas também em seus parceiros. O animus interior permanece em estado não desenvolvido, um eterno sapo, nunca reconhecido como príncipe em que se transformaria.



O animus positivo do estranho permite que a mulher focalize e saiba discernir os atributos e a beleza de sua natureza feminina. Ele a guia para a compreensão consciente de sua feminilidade. Ela então adquire a capacidade de fazer escolhas que não o comprometam. Exatamente como a prostituta sagrada, que saía para o mundo, quando o ritual terminava, preparada para entrar no casamento como pessoa plenamente consciente de sua capacidade, assim também a mulher moderna que tenha integrado seu animus está preparada para a vida.


O que quer que ela assuma, ela o faz com segurança sem regressão, sem submissão ou sem o sentimento de inferioridade em relação a um sistema patriarcal (o que significaria retornar à casa do pai). Ela não precisa competir com homens, nem adotar qualidades masculinas, isto é, identificar-se com o animus. A mulher quer conseguiu reconhecer a presença do masculino dentro dela passa a ser sua própria autoridade, e mantém-se constante em relação à sua natureza feminina. Ela pode não ser capaz de mudar o sistema patriarcal em volta dela; mas, o que é mais importante, não permite que o sistema a altere.

Um comentário

Anônimo disse...

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