Antes do baile verde






Trecho: Antes do baile verde
 
A mulher não respondeu. Ouvia com expressão deliciada a música de um bloco que passava já longínquo. Cantarolou em falsete: Acabou chorando... acabou chorando...


- No outro carnaval entrei num bloco de sujos e me diverti à grande. Meu sapato até desmanchou de tanto que dancei.


- E eu na cama, podre de gripe, lembra? Neste quero me esbaldar.


- E seu pai?


Lentamente a jovem foi limpando no lenço as pontas dos dedos esbranquiçados de cola. Tomou um gole de uísque. Voltou a afundar o dedo no pote.


- Você quer que eu fique aqui chorando, não é isso que você quer? Quer que eu cubra a cabeça com cinza e fique de joelhos rezando, não é isso que você está querendo? - Ficou olhando para a ponta do dedo coberto de lantejoulas. Foi deixando no saiote o dedal cintilante. - Que é que eu posso fazer? Não sou Deus, sou? Então? Se ele está pior, que culpa tenho eu?

Este conto está no livro Antes do baile verde (1970)

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